terça-feira, maio 24, 2005

Previsões futuras

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Poucas vezes ouço o uivar terrível daquele comboio cheio de sofrimento, mas quando o ouço não nego que fico a pensar o quanto vai ser penoso vivermos para sempre.
A imortalidade não é desejável nesta altura onde parecemos todos loucas baratas irrequietas andando de um lado para o outro, vagueando por entre ruas cheias de pedintes ou de emigrantes miseráveis procurando pão e sobretudo atenção.
Escuto Dona Vitoria aquela senhora que todos apregoam como vidente, mas que afinal pouco mais faz que ler o antigo diário de sua querida vizinha assasinada por um marido louco de ciúme. Ela não me traz grandes novidades quotidianas, mas fica particularmente alterada quando lhe pergunto como se vai comportar a Humanidade daqui a largos anos. Protegendo-se na sau resposta afirma que somente temos que viver o presente e esquecer um futuro possivelmente muito sombrio.
Mas que presente questionei eu, aquele presente onde fugimos de qualquer compromisso estável ? Ou quando passamos a perna a um amigo eterno só por uns míseros trocos? Aquele presente onde fazermos crer aos nossos filhos que a escola é o melhor escape para uma estabilidade profissional?
A Bruxa Vitoria deixa escapar por entre murmúrios inaudíveis que até ela fica horrorizada e enfurecida quando o próprio senhorio de seu condomínio lhe pede dinheiro para sustentar a sua barriga sedenta de mais uma cerveja de malte ou para trocar mais umas caricias com a prostituta lá do bairro.
Realmente olhando em minha volta o aspecto daquela horrível carcaça de madeira vulgarmente chamada de casa mais parece uma barraca de um pequeno canino. Passados alguns minutos deparei que á primeira vista aquela conversa já era mais uma amena e saudável cavaqueira do que um compromisso profissional da parte da Vitoria. Ela tinha-se finalmente aberto a um completo desconhecido que só queria umas respostas convincentes.
A certa altura falou do que sentia pela sua filha, e da maneira como foi mal tratada por um bairro onde vivia há vinte e dois anos com a mesmo humildade de sempre. Para complementar o feitiço que ela inadvertidamente colocou sempre mim, só restava friccionar as suas mãos sobre mim para que uns pozinhos mágicos de felicidade eterna caíssem sobre meu ombros. Afinal essa era mesmo a única razão para o qual eu procurei aquele tempo misterioso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Misterioso... misterioso...
Podias escrever um livro de contos.