
...ousei olhar para a sua curta saia sem segunda intenção, fi-lo com a nítida sensação que nada me consegue fazer desviar da minha linha amorosa. Nessa altura passava nos altifalantes do comboio algumas mensagens de aviso de atraso no regresso á casa. Dessas mensagens deliciei-me com uma que dizia assim “ Caros passageiros permaneçam no seus lugares até que o comboio pare definitivamente”. Qual era afinal o idiota que iria saltar do comboio com ele em andamento? Algum espírito suicida talvez. Sorri com vontade de rir á gargalhada mas a inibição não me deixa ter estes momentos alterados. Sandra (é como se chamava a rapariga) sentou-se a minha frente com um menino em seus braços, perguntou-me se a podia ajudar a limpar a pura boca do seu rebento. Mesmo se não adorasse crianças como adoro, nunca podia ficar indiferente aquele pedido materno. O agradecimento em forma de sorriso foi levada por mim como uma ligeira e doce provocação. Pode-se agradecer com um “Obrigado” ou com um aceno em forma de agradecimento, mas aquele sorriso denunciava alguma atracção ou carência de afectos. Fiz-me estupidamente de parvo quando dei por mim a olhar cabisbaixo de vergonha para o chão daquela carruagem. Já envolto em remorsos sentimentais consegui finalmente “meter” a conversa em dia com a dita personagem. Afinal aquela rapariga que não apresentava mais de vinte anos deixou-me entrar na sua privacidade, deixou-me perceber que aos vinte anos a sua vida já deu mais de meia volta completa, fitando-me anunciou que o pai da criança a tinha prometido em casamento a poucos dias atrás e já tinha inclusivamente escolhido o vestido de casamento. Falamos acerca de tudo o que pode interessar a dois jovens nesta vida, aspectos musicais, contrapartidas amorosas e outros esquemas de fácil compreensão juvenil. A conversa demorou uma viagem inteira sem que nos tenhamos apercebido sequer do passar infinito das horas. Sempre que a conversa é boa e a companhia ajuda o tempo não tem limite para se apresentar. Chegamos enfim à estação de chegada sem sequer sabermos o nome de cada um, também o nome não importa muito quando o que interessa realmente é poder conviver e partilhar emoções legítimas.