sexta-feira, outubro 28, 2005

A Viagem ( Parte II )




...ousei olhar para a sua curta saia sem segunda intenção, fi-lo com a nítida sensação que nada me consegue fazer desviar da minha linha amorosa. Nessa altura passava nos altifalantes do comboio algumas mensagens de aviso de atraso no regresso á casa. Dessas mensagens deliciei-me com uma que dizia assim “ Caros passageiros permaneçam no seus lugares até que o comboio pare definitivamente”. Qual era afinal o idiota que iria saltar do comboio com ele em andamento? Algum espírito suicida talvez. Sorri com vontade de rir á gargalhada mas a inibição não me deixa ter estes momentos alterados. Sandra (é como se chamava a rapariga) sentou-se a minha frente com um menino em seus braços, perguntou-me se a podia ajudar a limpar a pura boca do seu rebento. Mesmo se não adorasse crianças como adoro, nunca podia ficar indiferente aquele pedido materno. O agradecimento em forma de sorriso foi levada por mim como uma ligeira e doce provocação. Pode-se agradecer com um “Obrigado” ou com um aceno em forma de agradecimento, mas aquele sorriso denunciava alguma atracção ou carência de afectos. Fiz-me estupidamente de parvo quando dei por mim a olhar cabisbaixo de vergonha para o chão daquela carruagem. Já envolto em remorsos sentimentais consegui finalmente “meter” a conversa em dia com a dita personagem. Afinal aquela rapariga que não apresentava mais de vinte anos deixou-me entrar na sua privacidade, deixou-me perceber que aos vinte anos a sua vida já deu mais de meia volta completa, fitando-me anunciou que o pai da criança a tinha prometido em casamento a poucos dias atrás e já tinha inclusivamente escolhido o vestido de casamento. Falamos acerca de tudo o que pode interessar a dois jovens nesta vida, aspectos musicais, contrapartidas amorosas e outros esquemas de fácil compreensão juvenil. A conversa demorou uma viagem inteira sem que nos tenhamos apercebido sequer do passar infinito das horas. Sempre que a conversa é boa e a companhia ajuda o tempo não tem limite para se apresentar. Chegamos enfim à estação de chegada sem sequer sabermos o nome de cada um, também o nome não importa muito quando o que interessa realmente é poder conviver e partilhar emoções legítimas.

segunda-feira, outubro 24, 2005

A Viagem ( Parte I )



Nublado e cinzento foi como o céu que se pôs em Évora naquela tarde, demorei a perceber que iria ter uma viagem atribulada por uma chuva miudinha quase omnipresente. Coloquei a mala por cima de minha cabeça e sentei-me relaxadamente naquele banco castanho já desgastado de tantos se sentarem nele. A carruagem onde entrei mais parecia saída daqueles filmes de terror de qualidade duvidosa onde o orçamento é muito curto e onde o argumento é feito á base de pequenos sustos. Sozinho me debrucei sobre uma janela encravada para dentro como se uma alavanca se tratasse, quando consegui finalmente a abrir parece que tinha ganho algum prémio de persistência. Quando já em viagem olho para fora daquele comboio parece que relembro a minha vida para atrás, é como se voltasse a velha e inocente infância cheia de pequenos truques para nos fazer despertar
Arvoredo e Reluzentes vivendas vão passando em meu horizonte, tenho por habito descontrair-me e abster-me do que me rodeia enquanto faço uma viagem tão fantástica.
A fantástico chamo o prazer que sinto ao ver paisagens espectaculares daquelas que possivelmente só vemos nos livros e documentários do “National Geografic”.
Pressinto que com o passar dos tempos cada vez seja mais difícil concentrar-me unicamente no que vejo lá por fora, o tic-tic do cobrador deixa-me distraído e preparado para entregar o meu bilhete já amarrotado de tanto o dobrar sem qualquer motivo, somente porque gosto de matutar em algo quando fico impaciente.
Ouço com algum estrondo um copo de moedas a cair, a intriga apodera-se mim (não fosse eu um Português) e passo com alguma insistência o olhar para fora do meu compartimento. Uma senhora já idosa e de gorro encarnado apanha algumas moedas caídas no chão da carruagem, preparando-se para pregar um sermão ao passageiro que inadvertidamente a havia quase atropelado. Resmungou, esbracejou e até gritou com tanto veemência que quem passasse por ali pensava que coisa mais grave tinha acontecido.
Tanto gritaria somente por umas meras moedas insignificantes para quem gosta de apreciar uma bela viagem de comboio. Voltei sem demoras ao meu compartimento aonde uma luz fundida fazia questão de tornar o ambiente cada vez mais íntimo e relaxante para quem vai pernoitar durante a viagem...Bem a que parece estas pernas que vejo agora não descuram nenhum cuidado físico de nenhuma espécie...

Continua...

segunda-feira, outubro 17, 2005

Canto duma Sereia



Já era noite cerrada quando me aproximei da praia lá da foz, corria um aroma com cheiro a algas que me enchia as medidas.
Ao chegar perto do areal húmido senti aquele som cada vez mais próximo de meu ouvido, senti que chegara a hora de me despir e fazer os meus pés sentirem o sal daquele mar. Lembro-me tão bem desse momento que sempre que penso nisso os meus pés ficam brancos causando uma sensação agradável de inquietude.
A Agua estava algo gelada e sentia mesmo algum frio, mas comparando com o entusiasmo que me rodeava a alma, tudo parecia ser despejado para detrás das costas.
Nunca escondi que o mar era o meu local de refúgio, é talvez o único local onde me sinto verdadeiramente escondido deste mundo. Sinto-me disposto a desafia-lo por mais uma vez, ao procurar nele algo de inovador e magico. O desafio prende-se com o simples facto de adivinhar o emissor daquele som apaixonante que me entrou dentro do espírito sem pedir nenhuma licença. Pensei em pedir ajuda á Neptuno mas este com tanto que fazer virou-me literalmente as costas sem sequer abrir a boca.
Que alguém faça o favor do o castigar quando o avistarem perto de terra firme.
As estrelas-do-mar sempre me iam mantendo atento e deslumbrado por infinita beleza marítima, hão de reparar que sempre que um livro afecto a crianças se desfolha existe sempre um desenho de uma estrela-do-mar a abrir caminho para um doce sorriso.
Senti-me perigosamente cansado ao nadar tantas milhas, a alternativa era repousar até que as forças pudessem de novo voltar a mim. Fico em descanso obrigatório alguns minutos para retemperar a energia perdida neste desafio entusiasta. Assustei-me com um toque duma mão salgada em meu ombro, virei-me sem saber que do meu lado esquerdo apresentava-se um ser de beleza indescritível, uma fonte de brilho imenso...umas formas de fazer corar a mais sedutora das mulheres.
Estava ferida em sua face, tinha embatido num rochedo quando foi acompanhante dum golfinho numa viagem á costa francesa e por isso pedia ajuda através dos fiéis seguidores do mar. Falou-me que a sua cauda já percorreu mares longínquos, que já se comprometeu com deuses do mar, que já sorriu perante percalços de tartarugas.
Aquele som afinal um misto de tristeza e sofrimento perante um descuido de iniciado viajante. Acenei positivamente quando me perguntou se podia fazer deslizar a minha mão pela sua face brilhante de modo a conter a sua ferida profunda. Não reconheci que a minha mão pudesse fazer milagres quase sobrenaturais, mas a dura verdade é que mal eu coloquei minha mão já enrugada na face daquela sereia esta pareceu pertencer ao mundo dos rejuvenescidos. Voltou o sorriso encantador, Voltou a baloiçar a cauda em sinal de satisfação...em forma de gratidão aquele beijo dela em minha testa fez-me acordar dos lençóis já transformados em amarras...

sexta-feira, outubro 07, 2005

Sem Inspiração




Especialmente hoje não sinto inspiração para escrever, não sinto qualquer ponta de entusiasmo em minha cabeça nem em minhas mãos. Ouço agora uma senhora de voz maravilhosa chamada Katia Melua e talvez o aconchego de sua musica me possa despertar para algo de especial. Tenho-me comprometido comigo mesmo que sempre que chega a uma sexta-feira tento escrever algo de concreto ou interessante, mas definitivamente hoje não é o meu dia. Talvez tenha chegado ao meu limite, talvez seja altura de repensar a minha maneira de escrever. Não gosto de finais anunciados, não gosto que as pessoas se façam de eterna vitima quando perdem a sua inspiração por momentos (Sim Cobain é para ti).
Traumatiza-me sempre que um criador se tenta justificar antes de fechar qualquer obra brilhante, parece que esse é sempre o meio para se justificar a perda da inspiração.
Fico sentado com os dedos no teclado á espera de melhores dias, pensado bem não existe dias piores ou dias melhores, existem dias em que a vontade se junta a inspiração e outros dias que não. Talvez hoje embarque numa sopa de letras ao jantar, se o sabor desta refeição me conseguir fazer sonhar com as palavras de novo.
A noite também pode ser um bom escape para sentir de novo o poder as palavras, a escuridão é sempre um bom motivo para uma boa reflexão. Esgotei variadas palavras neste espaço abençoado e nem a suavidade e complexidade amorosa me pode valer neste momento. Sei que vai haver um amanhã e que tudo pode voltar ao seu lugar.
Peço aos meus poucos leitores desculpa por este interregno de inspiração, afinal penso que também mereço uma oportunidade de voltar a merecer a vossa confiança.